sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Dai a Emílio o que era de Ernesto

  


    O principal "fundamento" da fábula do general Geisel esquerdista é, sem dúvida, o rápido reconhecimento prestado pela diplomacia brasileira aos governos marxistas instalados nas ex-colônias portuguesas do continente africano na década de 1970.  Efetivamente, o chanceler Azeredo da Silveira reconheceu a independência da Guiné-Bissau em 16 de julho de 1974, sem que estivessem concluídas as negociações entre o movimento autonomista e a ex-metrópole.  Em março de 1975, o Brasil foi o primeiro Estado a estabelecer relações com Angola, enviando para Luanda uma representação do Itamaraty antes mesmo da autonomia formal do país. O governo local do MPLA foi plenamente reconhecido em 11 de novembro de 1975.  Quatro dias mais tarde, era a vez de Moçambique, cujos dirigentes convidariam o líder comunista Luís Carlos Prestes para as cerimônias de independência¹.
      Os silviofrotistas tardios, convenientemente, ignoram ou põem de lado os aspectos mais práticos da questão.  O regime salazarista, não obstante as fraquezas da economia de Portugal, mobilizou ao longo das guerras de descolonização um milhão e trezentos mil cidadãos portugueses, dos quais 8.290 morreram na África.  Ainda assim, os contingentes militares no Ultramar eram insuficientes para manter o controle sobre aqueles territórios, fazendo com que o governo apelasse em escala crescente para milícias compostas por nativos: para ficarmos em um único exemplo, havia na Guiné-Bissau, em 1973, 6.425 soldados portugueses e 25.610 recrutas africanos.  O acesso dos movimentos de libertação aos lança-granadas, fuzis kalashnikov e mísseis antiaéreos tornou as tropas de ocupação, em nítida inferioridade tecnológica, incapazes de submeter os revoltosos, apesar da insistência do primeiro-ministro Marcello Caetano em prolongar os conflitos aumentando a quantidade dos engajados².  Sintomaticamente, o general António Spínola (1910-1996), considerado leal ao salazarismo e herói das guerras africanas, publicou em 1974, para grande desconforto de Caetano, o livro Portugal e o futuro, no qual defendeu a tese do direito dos povos à autodeterminação e o projeto de conceder a independência às colônias para integrá-las numa "comunidade lusíada" eleita por métodos democráticos³.
         O elemento mais embaraçoso para os divulgadores da falácia, entretanto, é interno e se relaciona às raízes da "diplomacia da prosperidade", que se refletiu numa política externa "sem fronteiras ideológicas".  Segundo o historiador José Flávio Sombra Saraiva, foi o governo Médici que, além de permitir uma maior autonomia do Itamaraty dentro do Estado, nomeou para o ministério das Relações Exteriores o diplomata Mário Gibson Barboza (1918-2007), antigo secretário-geral da mesma pasta na gestão Costa e Silva.  Barboza, classificado pelo autor como um nacionalista, favoreceu a "ruptura do tradicional alinhamento com Portugal" no que dizia respeito às questões coloniais.  Muito antes do nome de Ernesto Geisel ser indicado para a presidência da República, precisamente em 23 de outubro de 1970, Mário Gibson Barboza proferiu palestra na Escola Superior de Guerra na qual afirmou que o Brasil, no intuito de ampliar seu espaço nos novos mercados, deveria adotar "iniciativas próprias" quanto à África4.
          Barboza viajou para o continente africano em 1972, percorrendo ao todo oito países.  Naquela ocasião, sofreu pressões do governo da Nigéria, que reprovava a indefinição brasileira acerca da virtual independência da África Portuguesa.  Quando voltou, declarou que 1972 seria o "Ano da África", recebendo diversas manifestações de apoio, inclusive no Congresso Nacional, onde o partido governista, a ARENA, desfrutava de maioria.  Houve, é fato, resistências a estas diretrizes, como a do ministro da Fazenda, Delfim Netto, que preferia o entendimento com Portugal e África do Sul, em prejuízo da África Negra.  Todavia, antes da deflagração da Revolução dos Cravos, conforme Saraiva, já era nítida a vitória do grupo do Itamaraty, que resultou particularmente na aproximação entre o Brasil e Angola5.
           Só me resta, portanto, restituir o Ernesto em questão à direita que nunca quis abandonar, e talvez ver o nome de Médici (!) associado a novas pérolas do revisionismo selvagem.                      
      

Notas:
1-Ver José Flávio Sombra Saraiva.  Um momento especial nas relações Brasil-Angola: do reconhecimento da independência aos desdobramentos atuais.  In: Angola e Brasil nas rotas do Atlântico Sul.  Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 237 a 243.
2- Cf. Lincoln Secco.  A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português: economias, espaços e tomadas de consciência.  São Paulo: Alameda, 2004, p. 101 a 105.
3- Idem, p. 109-110.
4- Saraiva, p. 231.
5- Idem, p. 232 a 236. 
  

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

E o general Geisel virou comunista: um efeito colateral do reacionarismo caricato na Internet

      

       Entre todas as Ciências Humanas, a História é possivelmente a que mais concentra carga político-ideológica em sua escrita.  Talvez seja também a disciplina em que mais leigos tentam interferir, fato que embora positivo e até desejável não deixa de provocar certos desastres.  Difundida a Internet entre todos os segmentos situados acima da miséria absoluta, as obras dos especialistas ultrapassam os limites de um público tradicional restrito a algumas centenas ou, na melhor das hipóteses, às unidades de milhar.
       As teses dos historiadores que são reconhecidos, à direita ou à esquerda, como defensores de posições doutrinárias tidas como fundamentais, ou que sustentam opiniões sobre determinados processos consideradas indigestas para o "inimigo", logo ganham versões vulgarizadas, de qualidade decrescente, que muitas vezes atingem o último nível deturpadas por completo, senão incompreensíveis.  Mesmo nestes casos, textos repletos de contradições e decorados com dúzias de erros gramaticais ainda reivindicam, como fonte de autoridade, o original construído pelo "medalhão".  Os leitores que se atrevem a emitir comentários críticos recebem como retorno a pecha de ignorantes, quando não são acusados de desonestidade por pregar "mentiras".
         Outras vezes, porém, a árvore genealógica das vulgarizações é curta.  Não conseguimos encontrar entre os parteiros de algumas loucuras sequer um recém-graduado em História, quanto mais um prestigiado doutor cercado de jovens discípulos.  Isto não impede que a repetição contínua, realizada dentro de círculos específicos, transforme afirmativas estapafúrdias em verdades irrefutáveis para numerosas pessoas.
          Envio estas reflexões para o teclado pensando em um exemplo bem concreto: a sentença "O general Geisel era esquerdista (ou comunista)" tem alcançado nos últimos anos uma enorme popularidade entre parte da militância conservadora, apesar de provocar boas risadas numa escala provavelmente maior.  A difusão de uma ideia tão aberrante atende a pelo menos três objetivos convenientes aos seus propagadores: a exaltação do projeto do Estado mínimo, o apagamento retórico dos vínculos da direita civil com uma ditadura cujos ônus ficam depositados exclusivamente sobre sua ala militar, e uma associação bastante forçada entre o petismo e o desenvolvimentismo dos anos 70, "unificados" dentro de uma categoria ampla e imprecisa intitulada estatismo.
          O mito do presidente vermelho, esquerdista ou comunista infiltrado tem origem bem nítida.  Ele procede do maior inimigo de Ernesto Geisel dentro das Forças Armadas, o general Sylvio Frota, um dos líderes da linha dura ditatorial.  Vencido por Geisel em disputas internas do regime e frustrado em definitivo na pretensão de um dia chegar à presidência da República, Frota utilizou contra o rival doses generosas do histrionismo que era marcante em sua personalidade, associadas à autêntica paranoia anticomunista.  Entre muitas matérias que descrevem aquela campanha, recorro a estas linhas da Folha de São Paulo:                

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2310200517.htm

A escalada contra o Partido Comunista naqueles meses seria uma demonstração de força da chamada linha dura, que tinha em Ednardo um representante destacado e o ministro do Exército, Sylvio Frota, como expoente. "Chegaram a soltar panfletos nos quartéis acusando Geisel e o Golbery do Couto e Silva [ministro-chefe do Gabinete Civil] de comunistas", afirma o ex-secretário de Imprensa.

Décadas mais tarde, Graça Salgueiro (entre outros)  endossou esta visão ainda se reportando à fonte primária.  Além de esquerdista, Geisel era o traidor dos ideais "revolucionários":

http://www.midiasemmascara.org/arquivos/6414-ideais-traidos.html

A esse respeito o Gen Sylvio Frota denunciou ao presidente Geisel de que havia 97 funcionários em cargos de DAS que foram classificados pelos órgãos de Segurança como comunistas militantes; entretanto, tal alerta caiu no vazio, mais uma vez. Delineava-se assim, cada vez mais claramente, aquilo que o Gen Sylvio Frota tanto temia e relutava em crer: o pendor esquerdista do Presidente Geisel.

Batendo na tecla do estatismo e fazendo alusão a um tema especialmente caro aos conservadores, o da suposta decadência moral do Ocidente, Orlando Fedeli aponta os militares, e Geisel em particular, como promotores do socialismo no Brasil:

http://www.transcriptsearch.com.es/id/8SB4ZiWsU7o

Quem fez as leis socialistas que o Lula tá aplicando foram  os generais. Quem fez o divórcio? O Geisel.  Quem socializou o Brasil?  Foi o Delfim Neto com o Geisel. O Brasil chegou a ter entre 70 e 80% da economia controlada pelo Estado.  Uma economia mais centralizada, mais estatizada que a da Tchecoslováquia em poder da Rússia  e da Iugoslávia em poder da Rússia. O Brasil era mais "comunista" do que países soviéticos. 


Para não cansar o leitor com uma lista exaustiva que, se for do seu interesse, poderá levantar com facilidade através do Dr. Google, passo ao último degrau da "cadeia alimentar", algo como os peixes limpa fundos dos aquários domésticos: a página Meu professor de História mentiu para mim, do Facebook.  Seu administrador, já conhecido jocosamente por muitos como Mezzo Cérebro, diagnostica cheio de convicção a condição de retardados dos que desconhecem um dado tão evidente quanto o comunismo de Geisel.
 
"Geisel era comunista". A gente publica um FATO do ordem da realidade arquiconhecido por qualquer um com mais de 2 neurônios em funcionamento e aparece gente gritando "fonte?", "fonte?", "fonte?"!!!! Jesus! daqui a 5 anos o povo vai pedir fonte quando alguém disser que Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil. Eita, MEC!!!!!


           Pouco adianta, é claro, discutir com ideólogos cuja única preocupação é empurrar seus seguidores cada vez mais para a direita, não importando o quanto a razão venha a sair machucada deste processo.  Mas não custa oferecer a um público amplo alguns elementos de realidade, muito mais para vacinar eventuais incautos contra a estupidez do que para fazer justiça ao ditador, que bem merece se contorcer no túmulo até pelos "crimes" que não cometeu.

.A formação ideológica e profissional de Ernesto Geisel foi muito semelhante à de Humberto de Alencar Castelo Branco.  Em 1945, Geisel estudou no Army Command and General Staff College, localizado em Fort Leavenworth, no estado norte-americano do Kansas.  No biênio seguinte, trabalhou na equipe do governo Dutra encarregada de eliminar a influência de comunistas e esquerdistas em geral nos sindicatos brasileiros.  Como os demais castelistas, engajou-se também na Escola Superior de Guerra (ESG), na qual foi membro do corpo permanente¹.  Caso julguemos o delírio verdadeiro por um minuto, estaremos diante de uma raríssima amostra de anticomunista visceral convertido em vermelho na velhice.

.Durante a crise de 1961, em que os ministros militares tentaram impedir, após a renúncia de Jânio Quadros, a posse do vice João Goulart, Geisel aderiu ao plano golpista e foi feito chefe da Casa Militar pelo presidente interino Ranieri Mazzilli.  Referindo-se posteriormente ao recuo dos conspiradores que não quiseram se arriscar à deflagração de uma guerra, ele se manifestaria nestes termos:

Ninguém queria ir combater os militares no Sul e dividir ainda mais o Exército.  Quando vi que as forças não iam para o Paraná e que o Cordeiro não ia assumir o comando do III Exército, senti que não teríamos a solução desejada. Aliás, todos nós víamos que não ia dar.  Foi aí que se partiu para o parlamentarismo como a solução menos ruim.

Naquela semana de agosto de 1961, integrantes do Comando Militar do Planalto chegaram a planejar a prisão de Ernesto Geisel, e a razão certamente não foi o seu "esquerdismo", e sim a intenção de quebrar, à direita, as regras constitucionais.  Registremos ainda que um dos irmãos do futuro presidente, o general Orlando Geisel, obedecendo ao marechal Denys, ordenou ao III Exército em 28 de agosto que "fosse o governo do Rio Grande do Sul [favorável a Goulart] compelido ao silêncio, com o emprego da força e do bombardeio pela aviação, se necessário"². 

.Após a derrota da ARENA para o MDB nas eleições legislativas de novembro de 1974, o ministro da Justiça de Geisel, Armando Falcão, empreendeu uma operação de caça aos comunistas, vistos como artífices dos resultados alcançados pela oposição.  Em janeiro de 1976, Geisel fez uso do AI-5 para cassar os mandatos de dois deputados estaduais paulistas, sob o pretexto de que os mesmos haviam sido apoiados pelos comunistas³.

           É certo que contra a exposição destes fatos de domínio público certos malabaristas conservadores  oporão velhos e novos enredos na linha da "estratégia das tesouras", sobre como comunistas enrustidos perseguem comunistas notórios para favorecer a ascensão ao poder de outros comunistas.  Sobre isto, evitarei comentários, pois não ouso me aventurar como leigo no campo da Psiquiatria.          
                
Notas:
1-Ver Thomas Skidmore.  Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 316.
2- Ver Vivaldo Barbosa.  A Rebelião da Legalidade: documentos, pronunciamentos, noticiário, comentários.  Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 114 e 224.
3- Skidmore, p. 369/370.
         
                       

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Antes Aedes do que Aécio

 
          
    
         Os fracassos dos candidatos tucanos de São Paulo nas três últimas eleições presidenciais brasileiras fizeram com que Aécio Neves da Cunha, senador por Minas Gerais, despontasse como opção do PSDB para a sucessão de Dilma Rousseff.  Uma excursão de três minutos pelo blog seria suficiente para o leitor mais desprovido de malícia calcular o que penso sobre o tucanato.  Ao invés disto, proponho aos que dispuserem de tempo uma consulta a três páginas, cujos links seguem abaixo, que combinam informação e sarcasmo na desconstrução deste eterno herdeiro de um rei que não chegou a ser coroado.  As "vítimas domésticas" de Aécio Neves, sem dúvida, terão eficácia muito superior à minha na tarefa de apontar os atos falhos recentes de seu algoz:        

http://aecionevesnao.blogspot.com.br/

http://foraaecioneves.dihitt.com/

http://aecionevescensurado.wordpress.com/
      
 
         Entretanto, não me abstenho de acrescentar uma contribuição pessoal  ao trabalho destes grupos Neves Never.  Um slogan hoje meio esquecido alertava para os riscos de se confiar em maiores de trinta anos.  Antes desta idade, Aécio, que veio ao mundo em 1960, dava indícios do que se tornaria a curto, médio e longo prazo: um típico representante da política tradicional, no sentido mais pejorativo em que se emprega tal expressão. Fazendo uso de outro bordão surrado, podemos defini-lo como mais um "novo que já nasceu velho".  
        Recorro, como de costume, ao programa de digitalização de periódicos da Biblioteca Nacional, desta vez visitando as edições do Jornal do Brasil, na busca (fácil, diga-se de passagem) das incoerências e deslizes de Aécio Neves. A edição de 22 de janeiro de 1988 mostrou-o posando de progressista, como um dos integrantes do grupo pemedebista que efetuava articulações para impedir a concessão de mais um ano de mandato ao presidente José Sarney.

 
 
      Porém, em meados do ano, mais exatamente em 3 de junho de 1988, o articulista Ricardo Noblat noticiou que o neto de Tancredo trocara seu voto, na véspera, por verbas da União para a Universidade de São João Del Rey.  O jovem Aecinho, a partir deste episódio conhecido como Aecinco (cinco anos para Sarney), teria também cedido a chantagens do governo federal.
 
 
 
      No dia seguinte, Aécio confirmou de maneira envergonhada a manobra mercenária, anexando à sua "justificativa" o argumento pouco convincente de que votara em favor da estabilidade política do país.
 
 
 
 
             Menos de três meses antes, em 18 de março de 1988, o jornal já havia exposto a voracidade e o fisiologismo do deputado, que na qualidade de sócio de emissora de rádio se opôs a uma proposta de Arthur da Távola que visava impedir que políticos recebessem concessões de rádio e televisão na vigência de seus mandatos.    
 
 
 
       Ainda em 1988, o colunista social Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997) acusou Aécio Neves de aderir ao governo em troca da perspectiva de um excelente emprego para seu pai, Aécio Cunha. 
 
 
 
      Ninguém ficará surpreso, portanto, ao ver (ou recordar) no JB de 22 de novembro de 1989 que Aécio, no segundo turno das eleições daquele ano, apoiava a candidatura presidencial de Fernando Collor de Mello. 
 
 
 
           
       Dois meses mais tarde, em 25 de janeiro de 1990, o pessedebista mineiro ficava inteiramente à vontade para dizer aos colegas de partido pouco dispostos a sustentar o governo Collor: "Quem não estiver satisfeito pode se retirar".
 
 
 
 
       
        Ninguém se espantará também ao localizar Aécio, em 18 de agosto de 1992, entre os desertores da nau collorida.  O antigo aliado agora se transformara em "mau exemplo", como se o tucano,  político em tempo integral desde a pós-adolescência, não soubesse quem era Collor dois anos antes. 
 
 
 
              Encerro o levantamento com uma matéria de 8 de junho de 1992, na qual notamos que Aécio Neves, que certamente produzirá em 2014 muitas horas de discurso vazio "em prol da ética", teve entre os patrocinadores de sua ascensão política em Minas Gerais o então prefeito de Belo Horizonte Eduardo Azeredo,  apontado alguns anos depois como chefe do esquema conhecido como valerioduto ou mensalão tucano.
 
 
 
 
          Entre todos os pré-candidatos conservadores à Presidência, Aécio Neves, mesmo que deixemos de lado, como assunto alheio à administração pública, os boatos escandalosos acerca de suas noitadas cariocas, é o que melhor associa a política "profissional", fisiológica, ao reacionarismo.  Em suma, é o pior.  Compartilhem, reproduzam, acrescentem outros dados para mantê-lo o mais longe possível de Brasília.  Seria mais nocivo, de fato, do que uma epidemia nacional de dengue.  
 
 
 
 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A direita sob o fogo amigo: as "inconveniências" da revista Veja


           
        Hoje escrevo, ou antes transcrevo, uma série de obviedades.  Longe de recordar segredos de Estado há muito esquecidos, faço alusão a um conjunto de acontecimentos que referenciaríamos facilmente com o recurso a dois ou três manuais de História Contemporânea. Além disto, os episódios pertencem, na maioria dos casos, a eixos temáticos diferentes; no máximo, poderiam ser agrupados sob um título vago como "Crimes e incoerências da direita internacional".
         O nexo desta composição se relaciona, então, à consulta a uma fonte comum, a revista Veja.   O semanário da família Civita, e nisto sou óbvio outra vez, tem funcionado no país, pelo menos nos últimos vinte e cinco anos, como um dos principais órgãos formadores de opinião no campo do liberalismo conservador.  Ou à direita simplesmente, se assim exigir qualquer moralista tedioso que me argua sobre como uma publicação conservadora pode trazer fotos de mulheres de topless e recomendar shows e livros de artistas conhecidos como usuários de drogas.
     O fato relevante é que Veja, desde a ostensiva promoção que dedicou à candidatura presidencial de Fernando Collor de Mello, em 1989, passando pelo apoio sistemático a todas as gestões tucanas, em Brasília ou nos estados, tem sido o órgão de imprensa mais repudiado pela esquerda em geral, não apenas pela parcialidade deselegante como também pela abertura de espaço irrestrito a personalidades das mais reacionárias.  A montagem que transformo em capa deste texto é uma das inúmeras provas disponíveis de tal "reconhecimento". 
         Torna-se até divertido, portanto, verificar que a revista, apesar de sempre pró-capitalista, em outras épocas não adotava o notório tom pequeno burguês ultrajado que constitui sua marca atual.  Muitas das páginas antigas de Veja contém citações que constrangeriam ou enfureceriam, conforme a situação, a juventude "coxinha" de 2013.  Vamos a algumas delas, não descartando a futura confecção de uma segunda série, inclusive com contribuições dos leitores.       
        Durante a fase mais brutal da ditadura civil-militar, mais precisamente em 25 de setembro de 1968, Veja anunciou ao público brasileiro que o governo do Vietnã do Sul, sustentado pelas tropas norte-americanas, era corrupto no mais alto grau e não representava o povo daquele país.  


    Na edição de 19 de agosto de 1970 lemos que o governo francês, a partir de 1964 (na presidência do conservador Charles de Gaulle), não se furtou a equipar militarmente a África do Sul do apartheid, já então sujeita a um embargo determinado pela ONU. 



     Em 10 de março de 1972 Veja informou seus leitores sobre a proteção concedida pelo Estado norte-americano ao criminoso nazista Klaus Barbie, logo após a Segunda Guerra Mundial. 


      Em plena presidência do general Figueiredo,  a 7 de novembro de 1979, a revista se referiu ao abrigo concedido pelo ultradireitista ditador paraguaio Alfredo Stroessner a outro nazista, Josef Mengele.



    O noticiário internacional da edição de 12 de março de 1975 não apenas rememora o apoio ocidental ao golpe que depôs na década de 50 o primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh, de tendências nacionalistas, como também mostra que, na época, a Casa Branca não se importava com a possibilidade de o Irã vir a contar com várias usinas nucleares.



      Segundo a Veja de 5 de maio de 1976, o celebrado secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, no começo da década, sugerira a seu governo uma atitude pragmática nas relações com os regimes segregacionistas da África do Sul e da Rodésia, talvez preferíveis aos "movimentos rebeldes negros".

  
     Doze anos mais tarde, uma associação entre os Estados Unidos da administração Reagan e o desgastado apartheid sul-africano permanece exposta, na aliança de ambos com o chefe direitista angolano Jonas Savimbi.



Continuem compartilhando, e de preferência nos fóruns dos "coxinhas".
   



segunda-feira, 2 de setembro de 2013

1924: liberais, conservadores e fascistas comem e bailam juntos no Rio de Janeiro

Félix Pacheco
        
       Os ideólogos liberais do Brasil, com boa frequência, demonizam o primeiro governo Vargas pelas comprovadas afinidades com o fascismo, verificáveis sobretudo a partir do golpe do Estado Novo, em 1937.  Alguns pretendem apontar um vício de origem na própria Revolução de 1930, vista apenas como a quebra de uma ordem constitucional supostamente inspirada no liberalismo.  Não serei, é claro, o apologista tardio de um movimento que, nas palavras de um de seus chefes, se propunha a fazer a revolução "antes que o povo a faça".      
        Entretanto, nesta postagem trago com satisfação ao público um documento que, produzido seis anos antes da queda da Primeira República, esclarece muito sobre as verdadeiras inclinações dos adeptos do liberalismo conservador.  Constitui uma excelente amostra das razões que levaram diversos autores a atribuir àquele regime títulos depreciativos como República Oligárquica e República dos Coronéis.
        José Félix Alves Pacheco, ou simplesmente Félix Pacheco (1879-1935), deputado federal e senador pelo estado do Piauí, membro da Academia Brasileira de Letras, pioneiro da identificação datiloscópica no país, foi ministro das Relações Exteriores do governo de Artur Bernardes (1922-1926), presidente cuja vinculação ao ideário liberal seria confirmada em 1945, quando participou da fundação da União Democrática Nacional (UDN).  Ele se incumbiu, na noite de 7 de abril de 1924, de discursar durante um banquete em homenagem ao embaixador especial italiano Giovanni Giuriati, que apresentara dois dias antes suas credenciais ao governo brasileiro.    
          Pacheco fez imprimir sua palestra, publicada em relatório ministerial no ano seguinte.  A necessidade de obedecer a certas regras de organização do espaço me impede de copiar todo o discurso, mas os leitores que desejarem (recomendo enfaticamente) poderão lê-lo na íntegra, seguindo os links que colo logo abaixo do título.  




http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000303.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000304.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000305.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000306.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000307.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000308.html
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1792/000309.html

         Mal iniciada sua fala, Félix Pacheco já tecia o primeiro elogio ao fascismo, por ele entendido como um sistema dinâmico destinado a grandes realizações, e ao próprio Benito Mussolini, um "homem excepcional". 



           Logo em seguida, o ministro declinava o nome do regime vigente na Itália, enaltecendo-o não somente por suas diretrizes nacionalistas como também pela tendência ao expansionismo territorial, no caso a ocupação de territórios do lado oriental do mar Adriático em prejuízo das populações eslavas que ali viviam. 


     Um pouco adiante, Pacheco expunha com clareza o que esperava dos fascistas: o reforço de uma velha ordem ameaçada por forças contestatórias consideradas anarquizantes. 


      Uma conhecida passagem do teórico liberal Ludwig Von Mises (1881-1973), já transcrita em outro artigo do blog, alude ao "mérito do fascismo" de ter salvado a Europa do avanço do socialismo.  Félix Pacheco, que se manifestou sobre o tema antes de Mises, demonstraria mais satisfação, ao se referir a um presumido "alívio do Universo".  O ministro conferiu ainda um brilho apoteótico à algo desastrada Marcha sobre Roma, reunião de homens mal armados que poderia ter sido facilmente desbaratada por qualquer comandante militar disposto a fazê-lo.   


       O responsável pela diplomacia brasileira não conseguiu conter seu entusiasmo ao conduzir o foco da palestra mais decididamente para a figura de Mussolini. Como resultado, lemos algumas linhas cujo teor muitos classificariam como homoerótico.   


      O deslumbramento do ministro diante do fascismo, porém, não se restringia à personalidade e às características físicas do seu líder.  Ele descrevia o governo italiano em termos que talvez levassem seus ouvintes a imaginar um apogeu próximo daquele país em todos os campos. 



      Legítimo representante de uma república oligárquica, Félix Pacheco não escondia, em sua longa exaltação dos camisas negras, o que realmente perturbava seu sono: os ataques ideológicos e as consequentes mobilizações eleitorais e/ou revolucionárias contra o sistema planetário ordenado pela burguesia.    


       Em frase deliciosa para os que estão fartos de suportar o contorcionismo retórico liberal que consiste em tentar excluir o fascismo do campo da direita,  Pacheco indicaria os que mais tinham a esperar do governo mussoliniano: os conservadores do mundo inteiro.  Mussolini, distante de qualquer socialismo, era o "herói da reação"! 





    Não me limito, diante de uma exposição tão transparente, a devolver o fascismo ao lado do muro em que sempre esteve, ou seja, o da direita.  Chamo mais uma vez a atenção dos leitores para uma realidade que, apesar da multiplicidade de exemplos disponíveis, ainda é cinicamente negada por muitos direitistas. Quando confrontados com a menor das ameaças palpáveis ao capitalismo, tanto os burgueses liberais de tipo sofisticado, cultivadores de uma autoimagem de democratas por excelência, quanto os ditos conservadores tradicionais, oferecem prontamente seu apoio ao Benito, Augusto ou Emílio de plantão. 

Obs: Divulguem nas páginas dos liberais.  Eles merecem.  Divulguem também nas páginas dos fascistas assumidos.  Eles têm o direito de desmascarar a hipocrisia de seus aliados envergonhados.