terça-feira, 18 de março de 2014

Um carniceiro confesso: Francisco Franco y Bahamonde


Mapa do antigo protetorado espanhol no norte do Marrocos


      Percorrendo as páginas de A guerra civil espanhola, de Josep M. Buades (São Paulo: Contexto, 2013), soube da existência do livro de memórias Diario de una bandera, escrito por Francisco Franco y Bahamonde (1892-1975)  em 1922.  Segundo o historiador, a obra "detalha as atrocidades da guerra colonial como se fossem atitudes absolutamente normais¹.  Naquela época, o exército espanhol enfrentava a guerrilha liderada por Abd el-Krim, no Marrocos.  Em 1921, as forças coloniais amargaram a derrota na batalha de Annual, perdendo oito mil homens.  Este revés militar era o maior sofrido pela Espanha desde os embates contra os Estados Unidos em 1898².  
      Assaltado pela curiosidade, decidi investigar se havia uma versão virtual do Diario.  Encontrei a digitalização de uma edição de 1956, introduzida por um entusiástico franquista, Manuel Aznar  (ver http://www.geneall.net/H/per_page.php?id=526317), pai do ex-primeiro-ministro José María Aznar.       

http://hvfasgcm.org/Descargas/Diario%20de%20una%20Bandera_libro.pdf

       O futuro ditador, então comandante de infantaria, informa na página 53 que em 15 de agosto de 1921 pediu autorização a seu superior hierárquico para efetuar represálias contra povoados que serviam como ponto de apoio para a guerrilha. Tropas espanholas sob a direção de Franco incendiaram residências, enquanto legionários (membros de um corpo de choque de infantaria) atacavam a população civil.  O texto sugere que, apesar da rígida disciplina imposta aos legionários dentro dos quartéis, o saque (razzia) era uma atitude pelo menos tolerada.  




           Em outubro, quando os legionários estavam acampados na localidade de Segangan, Franco voltou a descrever episódios de razzia (página 76).  Fica claro que os saqueadores contavam com grande complacência, e que não estava descartado o abuso sexual contra as marroquinas que fossem aprisionadas.  O fato não surpreende: a Legião Espanhola, criada por Millán Astray em parceria com Francisco Franco e inspirada na Legião Estrangeira francesa, comportava "desde corajosos soldados movidos pelo patriotismo até criminosos que preferiam servir na legião a enfrentar longas condenações em lúgubres presídios³".     



        
           Menos de dois meses mais tarde, um pretendido "castigo aos aduares (acampamentos de beduínos)" resultou na destruição talvez completa da cabila (espécie de municipalidade, governada por um alcaide) de Beni-bu-Ifrur.  As tropas de Franco novamente recorreram ao expediente de colocar fogo nas casas. 

             
         A mesma truculência seria empregada, na década seguinte, contra os próprios civis espanhóis. Quando mineiros e operários asturianos, ligados ao socialismo ou ao anarquismo, deflagraram um levante revolucionário, em outubro de 1934, Francisco Franco, no posto de general, foi incumbido da repressão ao movimento. Para isto, deslocou para o norte do país tropas vindas do protetorado norte-africano: além dos legionários, regulares (mercenários mouros). A superioridade material do Exército, que contou com o apoio da aviação, levou à rendição sucessiva das cidades e vilarejos ocupados pelos revolucionários.  Em seguida, conforme Josep Buades, "os soldados governamentais fizeram justiça pelas próprias mãos, assassinando a sangue frio uma parte considerável dos prisioneiros, às vezes com doses de crueldade que estarreceram a população local"4.
          Em agosto de 1936, já no decorrer da guerra civil espanhola, Franco voltou a empregar, na tomada da região da Extremadura, legionários e regulares, comandados pelo coronel Yagüe. Durante a batalha pelo controle da cidade de Badajoz, de pouco mais de 40 mil habitantes, os legionários sofreram mais de duzentas baixas, entre mortos e feridos.  Vingaram-se, então, reunindo milhares de pessoas na praça de touros local.  Ali ocorreu uma sessão generalizada de ameaças, torturas e fuzilamentos.  Calcula-se que morreram entre dois e quatro mil dos habitantes de Badajoz5. 
       Esta sequência de atrocidades, à qual poderíamos anexar outros eventos, dificilmente espantará quem estiver um pouco familiarizado com a história do franquismo.  Não obstante, o "Generalíssimo" falecido há quase quatro décadas permanece como uma das figuras mais admiradas pelos direitistas de feitio conservador, tradicionalista e militarista, inclusive no Brasil. Longe de desconhecer os múltiplos antagonismos inevitáveis nas sociedades capitalistas, um número nada desprezível destas pessoas gostaria de solucioná-los dentro do método que já foi denominado "paz de cemitério"; em termos práticos, liquidando fisicamente todos os que se opõem, mesmo que com iniciativas tímidas, ao status quo. Cada brasileiro que sonha com tanques dissolvendo manifestações grevistas, barrando passeatas LGBT ou demolindo acampamentos do MST é um pequeno franquista tardio. 
            No próximo 22 de março, marchemos contra eles!     
               
             
Referências:

1- Buades, p. 120.
2- Idem, p. 20.
3- Ibidem, p. 120.
4- Ibidem, p. 54-55.
5- Ibidem, p. 109 a 111.

quinta-feira, 13 de março de 2014

O racismo brasileiro segundo... Gilberto Freyre


       Entre as construções ideológicas do conservadorismo brasileiro, a noção de democracia racial é a mais exaustivamente desmistificada.  Um pesquisador que se dispusesse a relacionar os títulos de todos os trabalhos acadêmicos destinados a comprovar o caráter estrutural do racismo em nossa sociedade seria obrigado, sem dúvida, a distribuir tal trabalho por vários volumes. Nenhum profissional das Ciências Humanas, mesmo no campo teórico liberal, contesta frontalmente a persistência dos preconceitos étnicos no país; no máximo, alega-se que as diferenças socioeconômicas têm peso superior ao "fator raça".
       Todavia, o mito mantém a antiga força no imaginário de expressivos segmentos da população, nisto incluídos os de elevada escolaridade.  Podemos localizar com facilidade as variantes de um discurso segundo o qual um sábio multidisciplinar, Gilberto Freyre, atestou há mais de oitenta anos a ausência de racismo no Brasil e uma perfeita harmonia nas relações entre brancos, negros e índios, traduzida na miscigenação generalizada que se verificou desde o período colonial. Pouco importa, a este respeito, que o próprio Freyre tenha manifestado opiniões ambíguas a respeito da validade do conceito de democracia racial e que suas obras estejam repletas de exemplos categóricos de que sempre houve, desde os primórdios da América Portuguesa, uma nítida hierarquia étnica.                   
         Examinemos dois casos.  Apologista de Gilberto Freyre, o advogado Antônio Campos, em texto que foi reproduzido em diversos sites, expõe sua fervorosa crença, sem ressalvas, no mito da democracia racial.  

http://www.mimo.art.br/noticia-154-o-classico-casa-grande-senzala-de-gilberto-freyre-completa-80-anos#.Ux80Q_ldUUY

Publicado em 1933, no mesmo ano em que Hitler assume a liderança do Partido Nazista e o mundo é tomado pela ótica da eugenia, o livro configura uma reflexão muito pertinente sobre a miscigenação e sobre uma convivência cordial entre os povos de todas as raças e crenças, existentes no território brasileiro, exemplo também sem igual nas outras Nações.

                                                                (...)


E mais, esse pernambucano do Recife viu o Oriente no Brasil, e o nosso país como o grande paradigma da atualidade, pela lição que dá ao mundo de uma tolerância racial inigualável




      O administrador do blog Acarajé Conservador, outro crente na natureza adocicada da colonização e das relações interétnicas no Brasil, se vale de citações de Freyre para situar o Catolicismo como um dos alicerces da presumida "confraternização cultural".  

http://acarajeconservador.blogspot.com.br/2012/12/e-o-brasil-fosse-protestante.html


Se "o catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade", como diz Freyre, a ligação da Igreja Católica com a identidade nacional é de caráter essencial. Os portugueses que atravessaram o Atlântico, que já carregavam fortes traços de miscigenação entre os povos que invadiram a península ibérica, estavam unidos na guerra de cristãos contra infiéis. Afirma o autor de "Casa-Grande e Senzala" que as "guerras contra os índios nunca foram guerras de branco contra peles-vermelhas, mas de cristãos contra bugres." A heresia, portanto, é o grande inimigo da colônia, não o estrangeiro: franceses, holandeses e ingleses convertidos serão tratados com a mesma doçura que um lusitano legítimo. O Brasil nasceu, assim, sob a urgência da ortodoxia – ainda que aparente. Destarte, na Terra de Santa Cruz o crivo se tornou o batismo católico e não a gota de sangue, como ocorrera nos EUA. Diz o pensador pernambucano que “a religião tornou-se o ponto de encontro e de confraternização entre as duas culturas, a do senhor e a do negro; e nunca uma intransponível ou dura barreira”. 


         Considero um equívoco ignorar os lugares comuns pela falta de sofisticação intelectual de seus propagadores.  Inversamente, julgo que todo grupo ou indivíduo capaz de formar opinião política deve ser submetido à crítica.  Assim, recorro ao livro Ordem e Progresso, de Gilberto Freyre, para fazer passar pelo crivo da razão o que dizem os freyrianos leigos.  Tenho em mãos a 3a edição da obra, datada de 1974 (Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL), sendo o original de 1959.  Estamos, portanto, frente ao ensaísta pernambucano em sua fase madura, na qual oscilou significativamente para a direita. 

       Entusiasta, ao longo de toda a vida, do "mundo que o português criou", Freyre não deixa de apontar, em Ordem e Progresso (tomo I, p. 312), a evidente conjuntura de desigualdade "racial" que testemunhou na juventude, explicitada na distribuição do poder político: 

Branco, oficialmente, por ter se tornado líder prestigioso da República, era agora o mestiço Francisco Glycerio; era o mestiço Nilo Peçanha- que chegaria à Presidência da República; e embora se murmurasse de outros líderes novos, como Campos Sales, não serem de todo caucásicos, mas tocados de algum sangue negro-africano, sua situação de brancos de fato estava confirmada ou assegurada pela sua posição de triunfadores políticos.  O domínio político na República continuava a ser quase tão de brancos puros ou de fato, como fora no Império.  Quem atentar nas fotografias dos membros da Constituinte republicana de 91, não conclui, da análise dos característicos étnicos dos homens públicos que ela reuniu, terem eles representado a tomada do poder político no País por uma camada social etnicamente diversa da que dominara politicamente o Império, com uma ou outra fisionomia negroide- Jequitinhonha, por exemplo- no meio das muitas fisionomias caucásicas ou arianas.  Viria a acentuar-se, sob a República, a ascensão de brasileiros negroides aos altos comandos políticos: mas aos poucos e através de um processo de seleção que importou em alguma discriminação contra quem fosse ostensivamente africano na cor e nos traços.  

           Apesar da clareza desta passagem, outras partes de Ordem e Progresso se mostram mais interessantes para nossa investigação.  Freyre, ao longo da década de 1940, sugeriu a mais de mil brasileiros nascidos entre 1850 e 1900 o preenchimento de um questionário autobiográfico que, entre diversas questões, convidava os entrevistados a estabelecerem posições a respeito do fim da escravidão e de hipotéticos casamentos de seus parentes próximos com "pessoas de cor".  Muitos se esquivaram  da proposta, como o presidente Getúlio Vargas, que teria declarado que "Eu não sou homem que se descubra, mas que deve ser descoberto" (O. & P., tomo I, p. XLI).  Mesmo assim, o autor reuniu "quase trezentas respostas escritas e conseguidas durante anos de paciente colheita" (O. & P., tomo I, p. XXVII).  Uma parcela deste material foi transcrita em termos mais ou menos literais ao longo de alguns capítulos do livro.
          Vários dos entrevistados negaram alimentar preconceito em qualquer grau.  Entre eles, José de Paiva Castro, paulista nascido em 1899, para quem "o coração não tem cor" (O. & P., tomo II, p. 358), o piauiense Francisco Antônio de Lima, de 1875, segundo o qual "cor não é indignidade" (O. & P., tomo II, p. 368), e a também paulista Analice Ribeiro Corbelli, que incluiu em seu texto a sentença "Não deve haver preconceito de cor no casamento, tudo dependendo das circunstâncias e da afeição dos nubentes" (O. & P., tomo II, p. 362).  João Barreto de Meneses, filho do filósofo Tobias Barreto, não apenas disse que aceitaria "sem menor relutância nem pesar nenhum" a união de filhos ou irmãos com pessoas "de cor mais escura", como também se orgulhava de ter nas veias "uma porção de glóbulos da raça que santificou com seu martírio nos troncos o soerguimento de nossa grandeza econômica" (O. & P., tomo II, p. 355).  O baiano Manuel Silvino da Silveira, vigário de Livramento, receberia "o casamento de parente próximo com pessoa de cor mais escura com respeito e acatamento, a todos considerando irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo" (O. & P., tomo II, p. 363).  Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PCB, se definiu como "sem preconceito de cor" e anexou a informação de que "só na madureza a questão me preocupou do ponto de vista político marxista" (O. & P., tomo II, p. 368).     
        Todavia, predominaram por larga margem respostas que revelam níveis variados de racismo. Muitos dos depoentes admitiram sem subterfúgios, e até de forma rancorosa, o preconceito racial, em certos casos demonstrando simpatia por uma eventual segregação étnica.       
                      
."Sempre fui contrário à aproximação de negros e mulatos para com os brancos", informa José Rodrigues Monteiro, nascido em 1887 no Ceará.  De modo que "receberia de mau grado" casamento de filho ou filha, irmão ou irmã, com pessoa de cor mais escura.
(O. & P., tomo II, p. 353) 


.Dona Isabel Henriqueta de Sousa e Oliveira, nascida na Bahia em 1853, mas educada na Capital do Império, confessa ter sido sempre "antipática ao abolicionismo".  Considerando "o negro uma raça inferior", qualquer mistura "legal ou ilegal" que tenha havido de brancos com pretos no Brasil, lhe parecia, na época na época de sua resposta ao questionário que serve de lastro a parte deste ensaio, merecer censura. 
(O. & P., tomo II, p. 354)


.Para Durval Guimarães Espínola, baiano de origem rural nascido em 1883, a abolição dos escravos, no Brasil foi "boa": "boa" a ideia da Princesa Isabel "mas isto depois que ela indenizasse os Senhores que aliás naquela época tiveram muito prejuízo".  Lamentável lhe parecia- seu depoimento escrito é datado de 1942- que a raça se mostrasse entre nós "degenerada", pois "eu muito aprecio a cor branca e não desejava que se casasse um preto com um branco, coisa muito comum entre nós, o que eu muito combato e eis a razão da nossa mistura de raça que eu muito condeno".
(O. & P., tomo II, p. 356)

.João Batista de Lima Figueiredo, nascido em São Paulo em 1878, informa ter tido, quando menino e jovem, atitude de "certa pena" para com os negros.  Quanto a casamento de parente próximo com pessoa de cor, "receberia com tristeza e revolta".
(O. & P., tomo II, p. 358)


.Júlio de Mesquita, nascido em São Paulo em 1892, expande-se sobre o problema sociológico das relações de brancos com pretos e mulatos,
                                                                           (...)
"Outra prova do que afirmamos: os terríveis recalques que fazem da maioria dos mulatos indisfarçáveis seres desgraçados e, de quase todo preto, um marginal em choque permanente com o meio: Isto pelo menos em São Paulo e nos Estados do Sul, onde tendem a viver em grupo e em oposição aos brancos".  E acrescenta: "Por todas essas razões, é óbvio que eu não aceitaria jamais, voluntariamente, o casamento de qualquer membro de minha família com gente indisfarçavelmente de cor.  Além do mais, porque me recusaria sempre a que viessem ao mundo infelizes.  E o preto e o mulato, devido às condições sociais, cada vez mais predominantes no Brasil, de toda evidência, são uns infelizes". 
(O. & P., tomo II, p. 358-359)


."Condeno totalmente o casamento de gente de cor com filhos ou filhas de branco", diz em seu depoimento o Padre Leopoldo Fernandes Pinheiro, nascido no Ceará em 1880"
(O. & P., tomo II, p. 363)


.Ainda mais intransigente neste particular, revela-se, em seu depoimento escrito, datado de 1940, José Magalhães Carneiro, nascido em Sergipe em 1880 e formado na Faculdade de Medicina em 1901, depois de ter feito estudos de Humanidades no Rio de Janeiro, "sob a orientação de Sylvio Romero, de quem foi discípulo 11 anos":
                                                                            (...)
Quanto ao casamento de filho ou filha, irmão ou irmã, com pessoa de cor, Magalhães o receberia "do pior humor".  Isto por ter sempre considerado a mestiçagem de negro "uma irremediável desgraça.  Ao conflito de sangue corresponde um desequilíbrio no metabolismo dos três domínios.  Quem já viu um mulato criador? Ninguém me venha dizer que Tobias Barreto e outros que tais foram gênios..."
(O. & P., tomo II, p. 363)


.De ainda outro pernambucano, Adolfo Ferreira da Costa, nascido em 1879, é a confissão: "Sou contra a igualdade das raças, embora todos sejam humanos. Deveria haver seleção pois os tais tomam muita liberdade.  Sobre o casamento [de filho com pessoa de cor] ficaria indignado.  Acho que [cada qual] deveria procurar um da sua igualha". Sua expressão "os tais" refere-se a mulatos ou indivíduos de cor.
(O. & P., tomo II, p. 367)


        Um número maior de pessoas, exibindo as facetas daquilo que ficaria conhecido como "racismo velado", procurou mesclar suas prevenções com declarações de tolerância e generosidade, recordando velhas inclinações abolicionistas ou aceitando a igualdade racial como princípio em tese justo, embora talvez repugnante.    


.Outro brasileiro do Rio Grande do Sul, Afonso Côrtes Taborda, nascido em Santo Ângelo em 1857, recorda ter sido "desde tenra idade [...] contra a escravidão".  Seus pais tinham muitos escravos e Afonso conseguiu "com eles que lhes dessem liberdade a uns quantos..." Entretanto receberia mal o casamento de filho ou filha, irmão ou irmã, com pessoa de cor.
(O. & P., tomo II, p. 354)  


.Nunca pensou assim Dona Carlinda Custódia Nunes, nascida em 1874, em Botafogo, no Rio de Janeiro, que moça, teve "pena dos negros e mulatos" e "gostou muito da abolição", achando, porém, que "se deve apurar [no Brasil] a raça branca.  Receberia mal o casamento de qualquer parente com pessoa de cor.
(O. & P., tomo II, p. 355)


.Outro paulista, de origem aristocrática, Luís de Toledo Piza Sobrinho, nascido em 1888, assim se exprime sobre o assunto, em seu longo depoimento: "Jamais se aninhou em mim qualquer preconceito de raça.  Cresci, e me fiz homem, amando os meus semelhantes, tratando com especial deferência e carinho os pretos e mulatos, os mais humildes.  Pensava, assim, resgatar a injustiça da escravidão a que estiveram submetidos.  Como já disse antes, minha família foi entusiasta da Abolição". E quanto ao aspecto concreto e pessoal da questão: "Poderá parecer que minha resposta a este item, contradiz a dada ao anterior.  Mas não há tal: fui sincero, como serei ao responder ao último.  Falo a um sociólogo, a um fino psicólogo e, estou certo, ele me compreenderá.  Não veria com agrado, confesso, o casamento de um filho ou filha, irmão ou irmã, com pessoa de cor.  Há em mim, forças ancestrais invencíveis, que justificam essa atitude.  São elas, percebo, mais instintivas do que racionais, como, em geral, soem ser aquelas forças, sedimentadas, há séculos, no subconsciente de sucessivas gerações".
(O. & P., tomo II, p. 359-360)


.Não assim o cearense nascido em 1880, Luís Gonzaga de Melo, para quem "a Abolição foi um ato de franca humanidade", devendo-se, entretanto, com relação a casamentos mistos, seguir o preceito "cada macaco no seu galho".
(O. & P., tomo II, p. 363)


.José Bezerra de Brito, nascido no Ceará em 1878, lembra-se de que tendo seus avós possuído escravos, estes eram tratados com tanta humanidade que, depois da Abolição, "ficaram em casa e só foram saindo à medida que iam se casando ou encontrando colocações convenientes". Acrescenta sobre o assunto: "Os negros [escravos e descendentes de escravos] da nossa família tinham regalias especiais e eu vi muitas vezes minha avó, santa velhinha, a cuidar dos escravinhos, a banhá-los, a alimentá-los".  Em matéria de casamento, porém, José Bezerra de Brito não se deixava dominar pelo sentimentalismo: era adepto da sentença "se não queres casar mal, casa com igual".
(O. & P., tomo II, p. 364)


.De outro cearense, nascido em 1882 no sertão, é o depoimento de ter tido "a ventura" de assistir ao "maior e mais honroso acontecimento nacional, o 13 de Maio de 1888": "Fui testemunha do desfile de escravos que deixavam as senzalas com a carta de alforria na mão, radiantes de felicidade".  Mas quanto a casamento misto, "para nós, sertanejos, o casamento de branco com negro é muito reprovado.  Quando se dá, há bastante censura e contrariedade da família [branca]".
(O. & P., tomo II, p. 364)

.O pernambucano Artur de Siqueira Cavalcanti, nascido em Palmares, em 1877, no Engenho Primoroso, declara ter sido simpático à Abolição.  Mas "o casamento de filho meu com negra ou mulata, receberia sempre com o coração envolvido pela faixa negra da mágoa".
(O. & P., tomo II, p. 366)


.O paraibano Horácio Gomes da Silva, nascido em 1862, depois de se dizer adepto da "igualdade das raças na sua origem e no seu fim" e "ardente abolicionista", diz quanto aos casamentos mistos que envolvessem parente seu muito próximo: "Radicalmente contrário a tais casamentos".  Em outras palavras: igualitário, em teoria; arianista, na prática.
(O. & P., tomo II, p. 367)

."Não faço distinção de cor, para mim o que vale são as qualidades intrínsecas ao homem, o seu caráter", generaliza Sebastião de Oliveira, nascido em 1878 no Rio Grande do Sul.  Mas quanto a casamento de filho ou irmão com pessoa de cor, "receberia com prevenção".
(O. & P., tomo II, p. 368) 


.Otávio Tarquínio de Sousa (Amaranto), nascido em 1893 no Rio de Janeiro, depõe: "Sempre fui muito tolerante com relação a negros e mulatos.  Entre negros e mulatos conheci algumas das criaturas mais perfeitas que já tenho encontrado".  Quanto a casamento de filho ou irmão com pessoa de cor: "Respondendo a frio, raciocinadamente, não faria objeção [...] mas estou certo de que acharia pelo menos estranho que isso acontecesse: teria um choque".
(O. & P., tomo II, p. 368)


.Amílcar Armando Botelho de Magalhães, nascido em 1880 no interior do Rio de Janeiro, declara quase nas mesmas palavras de Max Fleiuss sempre ter sido abolicionista.  Abolicionista "desde a mais tenra idade!" 
                                                                             (...)
"Julgo que não há propriamente um problema de raças no Brasil mas que a tendência natural para a seleção individual, conforme leis biológicas e sociológicas, preparam o amálgama dum tipo de estabilidade crescente.  O que parece necessário é facultar os cruzamentos e evitar, por medidas adequadas, a perpetuação dos tipos elementares, quer índios, quer negros, incrementando a fusão dessas duas [raças] separadamente com tipos da raça branca.  Mas isto só é possível e viável nas camadas inferiores desta raça, como os poilus, os jecas, os homens do campo de toda parte, de instrução elementar". Daí sua atitude com relação a casamentos de filho ou irmão com pessoa de "raça elementar pura ou quase pura": Repudiaria [...] e tudo faria para os evitar, como altamente prejudiciais, no ponto de miscigenação a que atingiu minha família.  Particularmente tive oportunidade de assim agir num caso concreto".
(O. & P., tomo II, p. 369)

.Alfredo Bartolomeu da Rosa Borges, nascido em Pernambuco em 1864, depois de recordar sua qualidade de abolicionista e de republicano, adepto de Martins Júnior, confessa lealmente ter sido sempre dominado por esse "instinto de branquidade" na sua forma absoluta: "Tenho um arraigado preconceito de cor.  Seria contrariadíssimo que receberia, em minha família, um casamento com pessoa de cor".
(O. & P., tomo II, p. 371)

.Atitude semelhante é a revelada por João Cupertino Dantas, nascido em 1854 no Engenho Unha de Gato, em Sergipe: "Como o meu pai foi sempre humanitário em tratar os escravos, não sofreu grande abalo com a Abolição, continuando quase todos eles na propriedade sob o regímen de assalariados.  O casamento com pessoa de cor em minha família seria um grande desapontamento [...] pois não se dissipa facilmente em nosso espírito a hereditariedade de antiga prevenção. 
(O. & P., tomo II, p. 371)  


."Não obstante minha boa vontade para com os homens de cor, não toleraria o casamento de uma filha ou de uma irmã com um deles, fosse embora um Patrocínio, um Luís Gama ou um Rebouças", confessa João Franklin de Alencar Nogueira, nascido no Ceará em 1867.
(O. & P., tomo II, p. 371)


.Paulo Inglês de Sousa, nascido em São Paulo em 1888, pensa da Abolição que "veio tarde demais".  Quanto à sua atitude para com negros e mulatos, em depoimento de 1940, afirma ter sido sempre de cordialidade, evitando, porém, a intimidade.  Não gostaria de ver filha ou irmã casada com homem de cor evidente.
(O. & P., tomo II, p. 372)

.Aureliano Leite, nascido em Minas Gerais em 1887, mas crescido e educado em São Paulo, lembra em seu depoimento não ter sido "do tempo da Abolição"; quanto à sua atitude para com negros e mulatos, caracteriza-a como "de tolerância, sem grandes preconceitos, certo de que o Brasil é um País de mestiços".  Nada, porém, de casamento de filha ou irmã sua com pessoa de sangue africano: "Opor-me-ei quanto possa".
(O. & P., tomo II, p. 375)


.Daí, talvez, Rogério Gordilho de Faria, nascido em Sergipe em 1889 mas crescido e educado na Bahia, depois de reconhecer que "o pigmento não deveria constituir barreira para os acessos", "a raça", entre nós, devendo ser "depurada no sentido mais psicológico do que pigmentar", confessar: "Se sob o ponto de vista mental penso assim, o casamento de filho, filha ou irmã, brancos, com um preto, ainda me choca o instinto, pela sedimentação do costume".
(O. & P., tomo II, p. 375)


      Pelo menos um dos entrevistados ostentou adesão consciente à chamada "ideologia do branqueamento":         

.Roberto Christiani Naegeli, brasileiro filho de europeus, nascido no Rio de Janeiro em 1881 e educado na Suíça, depõe sobre o assunto: "Lembro-me, entretanto, do meu tempo de menino na Suíça, acontecer, às vezes quando éramos apresentados em sociedade a pessoas desconhecidas, que estas exclamavam com muito espanto e pouca delicadeza: 'Brasileiros brancos?!' o que, regularmente, era motivo para que minha Mãe se encolerizasse bastante".  E quanto à miscigenação brasileira, opina "que o sistema adotado pelo Brasil para a solução da questão da cor e que consiste na absorção paulatina das raças de cor pela raça branca, está dando esplêndidos resultados.
                                                                             (...)
"Estimo que, com mais 75 anos, o elemento de cor tenha completamente desaparecido da população brasileira.  Contudo, não poderia ver com bons olhos um casamento de membro da minha família com uma pessoa de cor".
(O. & P., tomo II, p. 360-361)


       Outra parte dos depoentes assumiu um discurso de tolerância para com os mestiços, negando-a aos negros tidos como "puros", ou admitiu a convivência com estes, no plano familiar, somente sob determinadas condições:


.Waldemar (Martins) Ferreira, nascido também em São Paulo, em 1885, escreve no seu depoimento: "Não receberia (quando moço) com agrado o casamento de filho ou filha, irmã ou de irmão, com homem de cor.  Com o preto, enfim.  Não com o mestiço, o que é diferente; e mestiços há em toda parte.
(O. & P., tomo II, p. 357)

.Enquanto o cearense Francisco Lopes Filho, nascido em 1880, e casado com mulher de cor, informa da sua atitude para com os negros e mulatos ser regulada, como sua atitude para com os brancos, pelo procedimento dos mesmos.  Veria entretanto "com repugnância o casamento de filha com homem de cor mais escura".
(O. & P., tomo II, p. 368)


.Alfredo Rosas, nascido na Paraíba em 1887, depois de tachar de "audaciosa" a pergunta que lhe foi feita em questionário que concordara em responder por escrito, sobre como receberia o casamento de filho ou irmão com pessoa de cor, escreveu em depoimento datado de 1940, não sem ter antes generalizado sobre o assunto, que considerava o Brasil "um povo modelar" no tocante às relações entre as raças: "Se pode existir no casamento de um branco com uma negra ou mulata, a afinidade eletiva, de que nos fala Max Nordau, não me oporia a uma dessas uniões na família. Estou convencido, porém, de que essa afinidade não poderia existir [...].  Como não existiria numa aliança de branco com uma maori neozelandesa".
(O. & P., tomo II, p. 371)

.Já outra branca pobre, Maria Teodora dos Santos, nascida em Pernambuco em 1878, informa ter-se casado aos dezesseis anos com homem que deu para beber.  De pretos, diz, no seu depoimento, não gostar como iguais de gente branca: "nasceram para servir os brancos".  Ela própria teve a seu serviço "uma preta chamada Constância que vendia os seus trabalhos de labirinto".  Se filha sua "se casasse com preto, sentiria, a não ser que ele tivesse dignidade e caráter e cuidasse bem dela".
(O. & P., tomo II, p. 377) 

         
          Já Heitor Modesto de Almeida, mineiro nascido em 1881, expressou a tendência inversa:

.(...)depois de ter recebido, "em menino, com grande simpatia, a abolição dos escravos", pois os escravos eram "um anexo da família", alguns tendo ficado com os Modesto "o resto da vida, depois de libertos", confessa sempre ter gostado "mais do negro que do mulato", considerando o mulato "o inimigo natural do branco". 
(O. & P., tomo II, p. 352)       


         Por fim, um conterrâneo do autor (e portador do mesmo sobrenome), negando enfaticamente seu preconceito pessoal, imputou a discriminação ao conjunto da sociedade, à qual conviria se curvar.

.Do também pernambucano José Maria da Silva Freyre, ou Freire, nascido em 1887, é o depoimento de ter sido mais feliz em sua "amigação com negra" - no que seguiu o exemplo do seu tio Manuel da Rocha Wanderley, "homem louro como um estrangeiro, olhos azuis, alvíssimo de pele, para quem mulher branca não era mulher"- do que no seu casamento com branca.  Daí sua predileção por mulher de cor ter se tornado total, tendo deixado de casar com negra pelo receio de "ofender a família e ficar mal visto pela sociedade".
(O. & P., tomo II, p. 383)

       
           Esta longa exposição não tem como finalidade trazer para execração pública os nomes de algumas dezenas de presumidos monstros.  As declarações dos homens e mulheres que foram entrevistados por Gilberto Freyre denunciam, obviamente, mazelas de sua socialização nas décadas finais do escravismo brasileiro ou no pós-Abolição.  Sem poder escapar ao velho chavão, afirmo que todos constituíam produtos do meio em que viveram, absorvendo em maior ou menor escala os padrões predominantes de discriminação racial e socioeconômica; estes, não raro, combinados entre si de uma maneira que torna problemática a quantificação de cada um.
            Porém, devo salientar que não estamos diante das falas de senhores de engenho da época do estabelecimento das Capitanias Hereditárias ou revisitando os fundadores do Império do Brasil.  Ainda que todos os colaboradores de Ordem e Progresso já tenham morrido, eles foram bisavós, avós ou pais das pessoas que integram a geração dos meus pais (nascidos em 1941 e 1945).  Em outras palavras, participaram ativamente da formação das ideias e dos sentimentos de gente que ainda está viva e exercendo influência em todos os setores.             
           Concluo então, mais uma vez, pela falta de seriedade dos que ainda saúdam a inexistência, ou quase, de racismo no Brasil.  Não entendam que sou pessimista quanto à questão abordada; a julgar pelo conjunto de muitas experiências pessoais, eu diria que a discriminação étnica diminuiu no Brasil das últimas décadas, embora meu foco de observação contenha uma deficiência básica: nunca residi fora do estado do Rio de Janeiro.  Este avanço resulta diretamente das lutas pela igualdade, individuais e coletivas, e jamais do negacionismo desmoralizado e caduco.           
             


          













  
   





  




    





   











sexta-feira, 7 de março de 2014

Brevíssimas notas sobre as origens do fascismo


            Um dos expedientes mais desonestos de um determinado conjunto de intelectuais de direita é a tentativa de ocultar do público o viés elitista e pró-capitalista dos movimentos nazifascistas do Período Entreguerras.  Entre os recursos empregados nesta tarefa, figura a contínua lembrança de que Benito Mussolini, na juventude, militou com destaque no Partido Socialista Italiano.  Embora ele fosse um autodidata cuja formação intelectual não excluiu a incorporação de ideias de autores totalmente estranhos ao socialismo, como Nietzsche e Pareto (este último nomeado senador na Itália fascista), tenta-se, com base em certas passagens da trajetória política de Mussolini e em suas leituras, sacralizar a balela de que o fascismo constituiu, na verdade, um concorrente do marxismo no campo da esquerda.  Não nos custa, como de hábito, apresentá-los a mais alguns episódios "inconvenientes".                  
       Emilio Gentile, especialista em fascismo e professor de História Contemporânea da Universidade La Sapienza, em Roma, ressalta o fracasso do projeto mussoliniano de envolver um grande número de socialistas na Primeira Guerra Mundial, então em curso.  Insatisfeito, Mussolini deixou seu cargo de diretor do Avanti! (órgão oficial do Partido Socialista Italiano) para fundar um outro periódico, destinado à defesa de suas posições belicistas.  Foi, na época, expulso do partido e qualificado como "traidor das massas socialistas".  
            Ainda segundo Gentile, a experiência nos campos de batalha contribuiu decisivamente para que Mussolini trocasse os princípios marxistas e internacionalistas por um outro programa, "que afirmava o primado da nação sobre as classes sociais e combatia os partidários de uma revolução socialista sustentando a vitalidade do capitalismo produtivo e a necessidade de uma colaboração entre as classes para aumentar a riqueza e a potência da nação".             






       Martin Blinkhorn afirma que o jornal de Mussolini, sustentado pelos intervencionistas (indivíduos adeptos da guerra), afastou-se de uma linha editorial socialista para assumir a função de "voz dos produtores [o empresariado rural e urbano, obviamente] e soldados".




        Donald Sassoon põe em relevo o fato de que os industriais italianos, em sua maior parte favoráveis ao ingresso do país no conflito europeu, também financiaram, em pequena escala, Il Popolo d'Italia.  Flertando com o liberalismo no campo da economia, Mussolini começou a dissolver a desconfiança que ainda despertava entre os empresários por seu passado socialista. Luigi Einaudi, citado no texto, esteve longe de ser o único liberal a simpatizar com o líder fascista.




           Robert Paxton informa que o evento de fundação do movimento fascista ocorreu na sala de reuniões da Aliança Industrial e Comercial de Milão.  Haja contorcionismo retórico, portanto, para nos convencer de que a burguesia lombarda abriu com alegria sua sede para patrocinar o surgimento de uma nova corrente política de esquerda! 
  



           
         A estrutura desta matéria convida os leitores à colagem das fontes, nos incontáveis locais em que os reacionários despejam suas insanidades "históricas".  Estejam, como sempre, à vontade!  

Referências:

.BLINKHORN, Martin.  Mussolini e a Itália Fascista.  Lisboa: Gradiva, s/d. 

.GENTILE, Emilio.  Qu'est-ce que le fascisme? Histoire et interprétation.  Paris: Éditions Gallimard, 2004.

.PAXTON, Robert O.  A anatomia do fascismo.  São Paulo: Paz e Terra, 2007.

.SASSOON, Donald.  Mussolini e a ascensão do fascismo.  Rio de Janeiro: Agir, 2009.

quinta-feira, 6 de março de 2014

A farsa da "farsa yanomami" (segunda parte)

Oca yanomami


       Mencionei, na postagem de 26 de fevereiro, uma falácia vastamente difundida pela militância direitista da Internet: a inexistência do povo yanomami.  Apesar dos numerosos elementos que desmentem esta tese absurda, a amplitude dos meios à disposição dos reacionários e dos colonialistas tardios faz com que milhares de pessoas venham não apenas a acreditar na mentira grotesca, como também a reproduzi-la em suas páginas pessoais.  Isto não deve nos surpreender: já tratei, em outras ocasiões, de mais subprodutos da mesma fábrica de denúncias vazias, como o "nazismo" de Salvador Allende e a "extinção" dos tupinambás baianos no século XVII.  
       Coloco em destaque, desta vez, a versão construída sobre o tema por Janer Cristaldo, que reforça a falsa premissa do coronel Menna Barreto de que os yanomamis foram "inventados" pela fotógrafa Claudia Andujar em 1973.  Cristaldo, todavia, se revela um pouco mais sofisticado   do que o militar na manipulação dos fatos: não podendo simplesmente ignorar o trabalho do antropólogo norte-americano Napoleon Chagnon, ele admite que existem yanomamis ... na Venezuela.      
                
http://cristaldo.blogspot.com.br/2012/08/um-novo-ianoblefe-no-dia-19-de-agosto.html

Os ianomâmis brasileiros são uma criação de Cláudia Andujar – fotógrafa que ora é suíça, ora é romena. Se o antropólogo Napoleon Chagnon constatou a existência de uma tribo de ianomâmis na Venezuela, a extensão desta etnia a territórios brasileiros está longe de ser uma evidência. O blefe do massacre de ianomâmis em 93 repousa sobre um blefe anterior, ou seja, a existência de uma tribo ianomâmi no Brasil. Quem faz esta denúncia é o coronel Carlos Alberto Lima Menna Barreto, em A Farsa Ianomâmi (Rio, Biblioteca do Exército Editora, 1995). Em função de seu ofício, o militar gaúcho trabalhou em Roraima desde 1969, onde teve estreito contato com a população da região e jamais ouviu falar em ianomâmis, palavra que invade a imprensa brasileira e internacional somente a partir de 1973.


          Consultei, na Biblioteca do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, um dos livros escritos por Napoleon Chagnon a partir das pesquisas que realizou nos anos 60 e 70.  Já no mapa que antecede a Introdução, o autor identifica como regiões habitadas pelos yanomamis, além do extremo sul da Venezuela, partes dos estados de Roraima e do Amazonas.             






    
        A apresentação da obra, assinada pelos editores George e Louise Spindler, traz a informação de que Chagnon, cuja primeira expedição àquela área foi encerrada em 1966, viveu durante três anos entre os yanomamis na Venezuela e no Brasil.




        Relatando suas visitas aos diversos grupos que compõem a nação yanomami, Chagnon deixa explícito que os trabalhos de campo levaram-no ao Brasil no ano de 1967.  Esta datação evidencia mais uma vez o caráter inverídico da história que envolve Claudia Andujar e sua "descoberta" de 1973.   
    



    Em outra parte do livro, na qual faz referência aos sítios arqueológicos outrora ocupados pelas populações que estudava, Chagnon explica que para compreender as relações dos Shamatari com outros grupos yanomamis seria preciso empreender vários meses adicionais de trabalhos de campo na bacia do rio Negro, ao norte do Brasil.    



                   
          Não deixem de compartilhar.  É necessário lançar no merecido descrédito a intensa e constante campanha da direita contra os índios brasileiros.