sábado, 26 de abril de 2014

O passado lhes condena: uma pequena agenda negativa para o ano eleitoral



        A tolerância para com o fisiologismo, este muitas vezes expresso na compra direta de votos, é um dos vícios mais frequentes entre os cidadãos brasileiros.  Constantemente, ela se faz acompanhar por uma incoerência específica, que deriva do desconhecimento das atribuições dos diferentes Poderes.  Milhões de pessoas, sobretudo de baixa escolaridade, costumam optar, nas eleições para os cargos majoritários, pelos candidatos que se apresentam como defensores das causas populares, o que reduz, em todos os níveis, as possibilidades de êxito dos postulantes vistos como elitistas.  Em contrapartida, constatamos facilmente que os mesmos eleitores, em alta proporção, não se preocupam em oferecer ao futuro detentor do Executivo a indispensável maioria legislativa.  É comum, aliás, que eles, atrelados a vários tipos de relações clientelistas, votem em vereadores, deputados e senadores que virão a criar todos os obstáculos imagináveis à ampliação dos direitos dos pobres, dos assalariados, dos segmentos desmobilizados da população. 
        A reversão desta tendência constitui um dos principais desafios para a esquerda brasileira, que jamais colocará em prática um programa socialista enquanto depender de composições com a vasta massa de parlamentares fisiológicos; ou, e não me arrisco a definir o que é pior, das alianças com a parcela dos conservadores convictos que aceitam praticamente tudo para preservar suas trilhas para o Tesouro, não deixando, porém, de arrastar  administrações para a direita. 
        Os trabalhadores organizados e a militância partidária correspondente buscarão em 2014, como de hábito, reconduzir ao Congresso e às Assembleias estaduais uma representação progressista, se possível aumentada.  Todavia, aqui falamos de minorias.  É fundamental atuar com eficácia no sentido de mudar o comportamento eleitoral dos trabalhadores que, bem mais numerosos, não participam, por desinteresse ou pura falta de acesso, dos sindicatos e da política partidária. 
     Diante da gigantesca desproporção de meios entre os políticos alinhados com o poder econômico e os que os confrontam, não basta à esquerda dizer em quem votar.  Também é preciso apontar, para o maior número de eleitores, em quem NÃO se deve votar, ou seja, aqueles que ao longo das carreiras demonstraram que seus compromissos fundamentais estão ligados aos interesses dos setores dominantes.  
        Consulto a obra Quem foi quem na Constituinte: nas questões de interesse dos trabalhadores, elaborada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (São Paulo: Cortez; Oboré, 1988).  A publicação, que obteve uma divulgação razoável na época, estabeleceu perfis ideológicos, incluindo atribuição de notas, de todos os deputados e senadores que tomaram parte na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988.  Muitos já faleceram, mas outros, em quantidade expressiva, permanecem na vida pública.  Entre eles, não são raros os integrantes da nata do reacionarismo tupiniquim, cujos objetivos continuaram perseguindo nos anos seguintes. Recomendo aos votantes dos respectivos estados que providenciem com urgência a aposentadoria de dez indivíduos em particular, ressaltando que há elementos para estender esta série, dependendo da receptividade dos leitores.    
                                 
     Marco Maciel, ex-deputado, ex-senador, ex-governador biônico de Pernambuco e ex-vice-presidente da República, perdeu a eleição para o Senado que disputou pelo Democratas (DEM) em 2010. Mantê-lo fora do Congresso é uma excelente proposta. Podemos ver, em seu histórico de 1988, os votos contrários à reforma agrária, à jornada de trabalho de 40 horas semanais e ao direito de greve, assinalados por bolas pretas. 




      Guilherme Afif Domingos acumula hoje os cargos de vice-governador de São Paulo e ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.  Caso concorra a algum posto eletivo, é de bom tom recordar suas posições diametralmente opostas aos direitos dos trabalhadores na Constituinte. 




      O baiano Benito Gama, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), é também vice-presidente de Governo do Banco do Brasil.  Antiga cria do carlismo, votou sistematicamente contra o povo trabalhador em 1988, além de ter apoiado a concessão de um ano extra de mandato ao então presidente José Sarney. 




        Paes Landim, em sétimo mandato, é deputado federal pelo PTB do Piauí.  Representou o PFL (Partido da Frente Liberal, hoje DEM) na Constituinte, quando também alcançou a lamentável façanha de ser um parlamentar nota zero, conforme o DIAP.  Previsivelmente, foi contra a reforma agrária e a favor dos cinco anos para Sarney.




     Jorge Bornhausen, atualmente sem mandato, é um dos principais articuladores da campanha de Eduardo Campos (PSB) à Presidência da República.  Tende a não se candidatar, mas convém ouvir suas indicações para todos os cargos eletivos, e sobretudo desconsiderá-las.  Refratário à reforma agrária em 1988, rejeitou igualmente o direito de greve e o princípio da adequação do salário mínimo às demandas essenciais dos trabalhadores.




      Vice-governador de Alagoas, filiado ao DEM, José Thomaz Nonô cogita se candidatar ao Senado em 2014.  Vale recordar suas consecutivas ausências durante a votação das questões mais importantes para os trabalhadores e, é claro, o posicionamento pró-Sarney.  




     Também em Alagoas, o veteraníssimo Divaldo Suruagy tem ensaiado uma candidatura à Assembleia Estadual pelo Partido Popular Socialista (!!!).  Político com bom trânsito na última ditadura, foi contrário às 40 horas semanais e à reforma agrária (se ausentando), mas não deixou de aderir aos cinco anos para Sarney.    




    Bonifácio de Andrada, em nono mandato, é deputado federal pelo PSDB de Minas Gerais.  Com exceção do acréscimo de um terço à remuneração das férias, combateu na Constituinte todas as disposições importantes que se destinavam à melhoria das condições de vida e trabalho dos assalariados.    




    Arolde de Oliveira ainda é deputado federal pela seção fluminense do Partido Social Democrático (PSD), no exercício do oitavo mandato.  Como deputado federal do PFL e expoente do bloco conservador denominado Centrão, votou quase sempre contra os trabalhadores e ainda prestou apoio ao prolongamento do mandato de Sarney e à UDR (União Democrática Ruralista) na questão da reforma agrária.  




  Albano Franco, filiado ao PSDB, já foi deputado estadual, deputado federal, senador e governador de Sergipe.  A exemplo de Bonifácio de Andrada, só votou em prol dos interesses dos trabalhadores na discussão sobre o terço de férias.  Seguiu, no mais, a orientação do Centrão, pró-Sarney e anti-reforma agrária.  





        Divulguem nas páginas políticas, nas comunidades regionais, por e-mail, como desejarem.  Lembremos que por vezes a perda de alguns votos decide eleições.  

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Que tal derrubar alguns pedestais?



"O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido.  Inclusive o dom de serem, às vezes, dadivosos, mas sempre frios e perversos e, invariavelmente, imprevisíveis."
(Darcy Ribeiro.  O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.  São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 24)

         Tomada ao pé da letra, a citação que abre este artigo contém um evidente exagero.  Não é exata a premissa de que o brasileiro das classes C, D e E vê nos banqueiros, grandes industriais e cotistas majoritários de supermercados e companhias de ônibus os eleitos dos Céus, implicando qualquer desobediência em prejuízo incalculável para suas expectativas a respeito do post mortem. Todavia, se descontarmos algo do tom hiperbólico típico de Darcy Ribeiro, as duas frases encerram muito de verdade.  
        Para além da presença ostensiva do aparato repressivo e dos resquícios, na memória popular, do destino em regra trágico dos que ousaram, possuindo ou não um projeto político definido, desafiar a ordem estabelecida nas mais diversas fases da História do Brasil, a dominação de classe entre nós repousa, em proporção significativa, na resignação de milhões.  A experiência cotidiana parece demonstrar que a vontade de poucos, invariavelmente "bem nascidos" e endinheirados, se impõe a qualquer lei ou princípio, sendo a resistência inútil e perigosa, quando não fatal. Isto contribui para a naturalização, no imaginário coletivo, da desigualdade, por vezes despertando, em alguns, a aversão raivosa contra os que insistem na insubmissão.  
       Os beneficiários desta visão, é claro, se empenham em perpetuá-la, reforçando no plano ideológico a noção de que pairam acima dos pobres mortais.  Um dos aspectos mais visíveis deste processo é o frequente batismo dos edifícios e logradouros públicos com os nomes de cidadãos que não mediram esforços na tarefa de "manter tudo em seu lugar".  Embora a redemocratização do país tenha revertido em parte esta tendência, não é raro notarmos que instituições voltadas à prestação de serviços para as classes populares, como escolas e hospitais públicos, exibem em sua fachada os apelidos familiares de notórios algozes do povo.                           
          Tive grande satisfação quando o governo do estado da Bahia, em 14 de fevereiro de 2014, mudou oficialmente o nome do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici para Carlos Marighella.  A medida foi uma resposta favorável ao movimento realizado em novembro de 2013 por alunos, ex-alunos, professores e responsáveis.  A comunidade escolar, rejeitando a vinculação com o falecido ditador, optou nas urnas por Marighella, que recebeu 406 votos, cabendo 128 ao geógrafo Milton Santos, além de 27 brancos e 25 nulos.
         Durante meu relativo ócio de feriadão, imaginei que mudanças deste gênero muito conviriam à cidade do Rio de Janeiro, que ainda celebra em suas escolas municipais figuras que não apenas se caracterizaram pelo posicionamento elitista, como também pelo incentivo ao arbítrio e à força bruta como mecanismos de reafirmação do status quo.
      Examinemos quatro exemplos, que mereceriam uma criteriosa reavaliação por parte das respectivas comunidades.          
                    

       José Félix Alves Pacheco (1879-1935), deputado federal, senador pelo estado do Piauí e ministro das Relações Exteriores do governo de Artur Bernardes (1922-1926), revelou neste último cargo um enorme entusiasmo pelo regime fascista, que já documentei em matéria cujo link recupero logo abaixo.



        Tratei, em artigo do ano retrasado, do golpismo irredutível de Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977), político udenista que governou o extinto estado da Guanabara.  


      Sua perspectiva na área educacional, à qual não me referi naquela ocasião, cabe nestas poucas linhas de Maria Victoria de Mesquita Benevides, que pela clareza dispensam qualquer acréscimo de minha parte:

"Outro exemplo: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.  Do projeto inicial de 1948, apoiado pela UDN, organizado pelo Ministro da Educação, o udenista Clemente Mariani, que defendia as escolas primárias públicas, pouco restou no texto final, de 1961 (patrocinado por Carlos Lacerda), que privilegia o ensino particular, religioso e economicamente seletivo."
(Ver A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965).  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 182)    



       Integralista na juventude, o embaixador Vasco Leitão da Cunha (1903-1984) funcionou como ideólogo do Estado Novo.  Assumiu o Ministério das Relações Exteriores na sequência do golpe de 1964 e foi um dos organizadores dos expurgos efetuados no Itamaraty durante o governo Castelo Branco.  Sua gestão teve como diretriz o abandono das iniciativas adotadas no sentido de uma política externa independente, em favor do alinhamento automático com os Estados Unidos.     (Adriana López e Carlos Guilherme Mota.  História do Brasil: uma interpretação.  São Paulo: Editora Senac, 2008, p. 689, 726, 810 e 811)




         Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968), outro notório simpatizante do nazifascismo, figurou entre os fundadores, em 27 de julho de 1931, da Legião Mineira, inspirada nos movimentos da extrema direita europeia. Durante o segundo semestre de 1937, participou de negociações com Plínio Salgado para angariar o apoio dos integralistas ao golpe de Estado já em fase de preparação, cujo objetivo seria a manutenção de Getúlio Vargas na Presidência. Implantado o Estado Novo, Campos foi o principal redator da Constituição "Polaca", que daria suporte jurídico à ditadura.  Confeccionou em 1964, ao lado do também jurista Carlos Medeiros Silva, o Ato Institucional nº 1, que determinava intervenção nos sindicatos, fechamento de organizações populares (inclusive a UNE), cassações e suspensões de direitos políticos.
(Ver Lincoln de Abreu Penna.  República brasileira.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 161, 183 e 190 e Maria Victoria de Mesquita Benevides.  A UDN e o udenismo, p. 128)   

           
       Como detestaria ser acusado de ter uma agenda exclusivamente negativa, exponho minhas alternativas para as eventuais substituições. Félix Pacheco cederia o posto ao contemporâneo Minervino de Oliveira (1891-1960), líder operário seguidamente perseguido no final da República Velha, que depois de vencer uma eleição legislativa para a Intendência do Distrito Federal, cometeu o "atrevimento" de se apresentar como candidato à Presidência da República pelo Bloco Operário Camponês.

Minervino de Oliveira


          No lugar de Carlos Lacerda, colocaríamos o quilombola que o próprio Lacerda, quando ainda era um jovem jornalista, biografou: Manoel Congo, chefe da rebelião escrava que sacudiu a região fluminense de Vassouras em 1838.

Imagem representativa de Manoel Congo

          

       A vaga do "entreguista" Leitão da Cunha deve caber, sem dúvida, a um defensor da autodeterminação dos povos.  Como constatei que já existe a homenagem ao embaixador João Augusto de Araújo Castro (1919-1975), que dá nome a uma escola do bairro carioca de Campo Grande, indico o presidente argelino Ben Bella (1918-2012), que encabeçou a luta pela independência do seu país.   

Ahmed Ben Bella



        O sinistro Francisco Campos pode ser trocado, com indiscutível vantagem, pelo historiador e oficial do Exército Nelson Werneck Sodré (1911-1999), que teve seus direitos políticos cassados pelo governo Castelo Branco, ficando também impedido de lecionar.





           As possibilidades que trago ao público representam, quando muito, a minúscula ponta de um iceberg, se comparadas à quantidade de "entulho autoritário" ainda por remover.  Mas é preciso começar.  Deixem suas sugestões.    
              
              





quarta-feira, 16 de abril de 2014

Yahoo! Notícias: uma amostra grátis da "liberdade de opinião" no capitalismo


      
       Há cerca de oito anos mantenho um e-mail no provedor Yahoo.  Com certa frequência, antes de acessar as mensagens leio duas ou três reportagens reproduzidas no link Yahoo!Notícias. Mais raramente, deixo registros nos espaços que, abaixo de cada matéria, se destinam aos comentários dos leitores.  
     Devo admitir que se trata de um fórum divertido, até porque boa parte do que se publica, sobretudo a respeito da vida particular dos famosos, beira o grotesco.  Podemos identificar, nos debates em regra truculentos que se estabelecem de forma mais ou menos espontânea, as diversas polarizações existentes entre os internautas brasileiros: tucanos X petistas, corintianos X palmeirenses, evolucionistas X criacionistas, cotistas X anticotistas, feministas e ativistas LGBT X supremacistas masculinos, etc.
     As discussões acerca da política nacional parecem inteiramente livres, ou quase, de mediação. Mensagens de apoio, inteligentes ou bajulatórias, a todos os partidos, movimentos e indivíduos imagináveis dividem lugar com críticas bem construídas aos mesmos, ou, em quantidade ainda maior, com generosas levas de impropérios. Perfis fakes bizarros pedem em caixa alta a prisão ou a morte, se possível com vasta efusão de sangue, de seus desafetos.
     Ontem pela manhã, ao entrar no Yahoo, decidi descarregar um pouco da minha acidez congênita contra a maré conservadora que assola nossa opinião pública.  Porém, tive alguma surpresa ao perceber que, quando comentava textos relacionados à política externa norte-americana, israelense ou europeia, estas observações desapareciam logo em seguida, por vezes em questão de segundos. Já tinha visto queixas sobre mensagens excluídas, mas ignorava que o fato acontecia de maneira intencional e sistemática.  A irritação inicial me levou a postar novamente as falas apagadas, acrescentando a elas frases irônicas sobre meu adversário invisível, que denominei, por falta de alternativa, "deletador de comentários".     
         Notei que o sujeito era persistente e não se renderia nem à minha teimosia, nem às minhas gozações.  Resolvi, então, lançar mão do sempre útil print screen como arma contra o censor, capturando sequências que deixam claro que houve cortes, sem que eu fugisse aos temas apresentados ou usasse palavras de baixo calão.  Vamos a elas. 
       Quando me referi ironicamente à pouca credibilidade da Reuters, agência de notícias londrina,  nos assuntos relacionados à crise ucraniana, a mensagem sumiu em dois minutos. 


              
            
     
               
       O "deletador" chegou a simular que passaria por cima da provocação que inscrevi abaixo da matéria sobre a mais recente crise diplomática entre Estados Unidos e Irã...



            
              Mas não conteve a "tesoura" diante de uma segunda observação.







          O tenaz funcionário deletou seguidamente meu apontamento sobre uma pretendida aliança entre a direita israelense e as monarquias do Golfo Pérsico.







              Finalmente, acabou por afrouxar a vigilância, e pude assinalar uma nova crítica.  




            Algo parecido ocorreu nos comentários de uma notícia sobre o Afeganistão.  O "deletador"  queria impedir a todo custo que o exército de Brancaleone instituído pela OTAN como governo do país fosse chamado de fantoche.  Quando desistiu, foi impossível evitar a galhofa.      


    
            Não faltariam adolescentes sagazes para me explicar que, sendo o Yahoo uma empresa da Califórnia, cujas receitas se medem em bilhões de dólares, seu portal não tem exatamente como objetivo ventilar opiniões anticapitalistas ou contrárias aos interesses do governo norte-americano.  Um militante conservador que tenha avançado até este parágrafo também poderia dizer, com acerto, que Carta Capital e Le Monde Diplomatique não publicariam sob o noticiário do Oriente Médio correspondências a favor de Benjamin Netanyahu. Tecnicamente, não é crime um portal selecionar com critérios ideológicos os comentários feitos dentro de suas páginas, apesar do ridículo em que incorre ao permitir que os usuários percebam que existe um sistema de censura nada sutil.  
        O que me inquieta, na verdade há vários anos, é a percepção de que um cerco vem se fechando.  Quando saio para comprar livros de História, por exemplo, minhas opções se restringem a poucas livrarias especializadas.  Nas prateleiras das maiores lojas do ramo predominam os best-sellers recomendados pelo Washington Post, ao lado dos últimos lançamentos da escatologia "politicamente incorreta".  Um estrangeiro que examine apressadamente a parcela melhor divulgada da  historiografia brasileira mais recente presumirá que uns 90% dos professores universitários da disciplina são weberianos, neocons, seguidores de Von Mises ou nostálgicos da Idade Média.  
      O quadro se torna pior quando nos voltamos para a mídia televisiva.   Os âncoras e comentaristas especializados dos jornais, salvo raríssima exceção, são evidentemente recrutados entre os reacionários mais toscos, o que além de dar margem a episódios antológicos sugere aos espectadores que a figura do conservador irado e boquirroto constitui um padrão de dignidade. É bastante significativo que mesmo em programas acusados por alguns de populismo, como o Esquenta! de Regina Casé, os intelectuais convidados sejam sempre liberais.
     A direita brasileira está nitidamente mais coesa e articulada com as forças que lhe correspondem no restante da América e na Europa.  Ela não pretende apenas preservar escrituras e aplicações financeiras, ou eleger governadores e o presidente da República.  Quer fazer vingar, na sociedade, as posturas conformistas e o ódio contra os que lutam por igualdade e ampliação de direitos.
         Apesar da desproporção de meios, só nos resta resistir a este processo.  Mais do que nunca, é fundamental, passando por cima das querelas doutrinárias, sejam elas pequenas ou grandes, interligar as fontes informativas e opinativas de esquerda.